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Notícia
‘O varejo médio está sumindo no Brasil’
Para Luís Felipe Salles, CEO da Mix Retail, quando as redes com até 100 lojas se reestruturavam, veio a pandemia, os juros dobraram e aumentou a concorrência com sites chineses. Em 2024, fusões e aquisições devem se intensificar no varejo de rua e nos shoppings
2023 não foi um ano de boas notícias para o varejo. Logo em janeiro, uma das maiores redes do país, a Americanas, anunciou dívidas de mais de R$ 40 bilhões, assustando o mercado.
Como consequência, as instituições financeiras ficaram mais cautelosas na hora de soltar dinheiro para empresas do setor e os varejistas, mais receosos para tocar investimentos.
Se a Americanas, fundada em 1929, no Rio de Janeiro, estava em crise, será que todo o comércio também estava? Essa era a pergunta que os lojistas faziam naquele momento. E a resposta parecia ser, sim.
Logo depois, dezenas de outras marcas do varejo anunciaram dívidas gigantescas ou o fechamento de lojas na tentativa de equilibrar as finanças.
Tok&Stok, Casas Bahia, Polishop, Amaro, Saraiva, Marisa, Mr. Cat, Colombo, Triton, Ri Happy, Camicado, Centauro, Puket e New Balance são alguns nomes que vieram à tona.
“As redes que estão com mais dificuldade são as médias, com até 100 lojas, justamente as mais importantes para os shopping centers”, afirma Luís Felipe Salles, CEO da Mix Retail.
De acordo com Salles, que trabalha com concepção e planejamento de shoppings, a crise no varejo brasileiro pode ter até estourado em 2023, mas começou antes, há uns cinco, seis anos.
Após enfrentar dois anos de PIB em queda (da ordem de 3%, em 2015 e em 2016) e três anos de economia crescendo quase nada (1% entre 2017 a 2019), diz, o varejo perdeu fôlego.
Quando a economia começou a dar algum sinal de retomada, veio a pandemia, e o Produto Interno Bruto brasileiro despencou (caiu 4,1% em 2020).
Uma rede com cerca de 100 lojas, que começava a se reestruturar e a se preparar para crescer, com uma taxa de juros de 5% a 6% ao ano, diz Salles, além de fechar as portas, viu os juros dobrarem.
E tudo isso aconteceu em um momento em que crescia a concorrência com os marketplaces estrangeiros, como Shein e Shopee, algo que os lojistas não estavam acostumados a enfrentar.
“A consequência é que o lojista médio está acabando no Brasil e trazendo um problemão para os shopping centers”, afirma Salles.
ÁREAS VAGAS
Marcos Hirai, sócio-fundador do NDEV (Núcleo de Desenvolvimento de Expansões Varejistas), diz que nunca recebeu tanta ligação de shoppings atrás de lojas para ocupar espaços vazios.
“A crise financeira de grandes marcas afetou profundamente os shoppings, com efeito cascata, começando com a Americanas e terminando agora o ano com Polo Wear e Starbucks”.
O grupo Restum, dono da marca Polo Wear, está sendo investigado por suposta fraude fiscal envolvendo dívidas de R$ 3 bilhões com impostos estaduais e federais.
A SouthRock, empresa que opera a Starbucks no Brasil, entrou com pedido de recuperação judicial, já aceito pela Justiça, por conta de uma dívida estimada em R$ 1,8 bilhão.
“Todas essas marcas estão tentando sair da crise, mas não é fácil. Na outra ponta, as redes em expansão estão sendo procuradas para suprir a vacância dos shoppings”, diz Hirai.
Esse movimento, de acordo com ele, acabou também se transformando numa oportunidade de os shoppings renovarem mix de lojas para atender às novas demandas dos consumidores.
“Estão tentando fazer do limão uma limonada, abrindo espaços para novas âncoras, outros setores, ajustando as chamadas ‘placas tectônicas’”, afirma.
MODA PERDE ESPAÇO
As tradicionais marcas de roupas, diz Salles, são as que estão perdendo mais espaço. Há alguns anos, o setor de vestuário e calçados representava 60% das lojas. Hoje, menos de 15%.
As marcas mais premium, que estão bancadas por fundos de investimento, e fazem parte de um grupo, diz, já estão mais seguras neste momento.
Redes de moda com tíquete médio mais alto, como as do grupo Veste, dono de Le Lis Blanc, Dudalina e John John, de acordo com ele, sofrem menos.
Primeiramente, porque atendem um público mais fiel à marca, que tem comprado menos fora do Brasil e não é seduzido por produtos vendidos por plataformas, como Shein e Shopee.
E também porque essas redes têm uma clientela com mais sensibilidade em relação à construção de uma marca, gosta do atendimento personalizado nas lojas.
“Já o varejista médio, este que está morrendo, não sabe sequer o nome dos clientes, quer vender preço e aí chegam plataformas de fora que vendem mais do que Marisa e C&A juntas.”
FUSÕES E AQUISIÇÕES
A boa notícia é que 2024, na avaliação de Salles, deve ser um ano melhor do que 2023 para o setor porque “a lição está sendo aprendida a duras penas”.
Fusões e aquisições deverão ser bem mais intensas entre lojas e entre shoppings, a exemplo do que aconteceu com a Aliansce Sonae e BrMalls, que se uniram para criar a Allos.
Grupos como Veste e também Soma, dono das marcas Animale, Farm, Hering, Cris Barros, entre outras, também devem surgir, sempre com o objetivo de ganhar competitividade.
“Quando as marcas estão num mesmo ambiente, são concorrentes, acaba sendo melhor a união para que se tornem mais fortes e sobrevivam”, afirma Salles.
O grande tem a vantagem, diz, de ter a ajuda de instituições financeiras, de alavancar, o que não acontece com o varejista médio, já endividado e com restrições em bancos.
O pequeno também tem vantagens porque “opera sob controle dentro da própria ineficiência”, diz. “Ele compra pouco, vende pouco, gasta pouco e consegue ficar aberto.”
EFICIÊNCIA SE IMPÕE
O que o Brasil vê neste momento é muito mais a nova dinâmica do varejo cobrando o seu preço, de acordo com Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls
“As empresas incapazes de atualizar modelo de negócio e buscar eficiência ou que se alavancaram contando com a lógica de crédito farto do passado passam por dificuldades.”
Com o caso da Americanas, diz, o crédito ficou escasso e caro e, sem condições de financiar dívidas construídas a partir de planos mal elaborados, as empresas ficaram em apuros.
Na dinâmica do varejo, de acordo com Marinho, é natural fechar e abrir lojas.
O que os varejistas estão descobrindo agora é que ser eficiente passa por ter lojas menores, com custos menores, não somente em relação ao aluguel, mas em toda a operação.
“E para ter loja menor é preciso ter precisão na hora de construir estoque, saber o que o consumidor compra na região onde ela está localizada”, diz Marinho.
Para os shoppings que estão enfrentando o sumiço de grandes marcas, diz, isso não necessariamente é ruim, já que pagavam menos por metro quadrado do que lojas satélites.
Para ele, os negócios para o bem-estar, como serviços de cabeleireiros, estética, academias, lojas de cosméticos, entretenimento, restaurantes continuarão ganhando participação.
Para Marinho, uma tendência importante no varejo em 2024 é a personalização. Conhecer cada cliente para oferecer produtos relevantes e ajustar o estoque na região em que se está.
“Quem não estiver bem posicionado vai continuar se afogando neste cenário econômico conturbado”, diz. Afinal, nada indica que a economia vai superar os números deste ano.
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