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Software de restaurante permite sonegar
Comerciantes relatam ter recebido até treinamento de revenda para driblar o fisco usando uma função criada para vendas com caixa dois
FÁTIMA FERNANDES / CLAUDIA ROLLI
Um dos softwares mais usados em bares e restaurantes do Brasil é suspeito de ser utilizado para ocultar parte da receita e sonegar imposto.
Donos de bares e restaurantes de São Paulo relataram à Folha que o programa MisterChef permite aos comerciantes registrarem vendas de duas formas diferentes: uma na função chamada de on-line (que obriga emissão de nota fiscal) e outra na off-line (que permitiria esconder parte da receita).
O MisterChef é produzido pela Bematech, líder do setor de automação comercial no país. A empresa nega que o programa abra brechas para a sonegação e atribui possíveis irregularidades ao mau uso do software pelos comerciantes e à má orientação pelas revendas.
A Folha apurou com donos de estabelecimentos e revendedoras autorizadas do software que, no modo on-line, o comerciante registra o que quer declarar ao fisco -vendas com cartão e, quando o consumidor exige, a nota fiscal paulista (com CPF na nota). Neste caso, a nota fiscal é emitida pelo ECF (emissor de cupom fiscal), uma impressora fiscal lacrada. E os dados da venda ficam na memória do ECF.
As vendas pagas em dinheiro e cheque são registradas na função PED (processamento eletrônico de dados) -chamada de off-line. A impressora usada nesse caso não tem lacre nem memória e emite a nota fiscal comum. Por isso, abre brecha para a sonegação, afirmam os comerciantes.
A Secretaria da Fazenda paulista já investiga fraudes em softwares usados por bares e restaurantes. Até agora, já foram feitos 14 autos de infração, somando R$ 11,3 milhões.
Segundo o fisco, o comerciante paulista pode usar a função off-line -desde que esteja autorizado a trabalhar apenas com nota fiscal comum e envie regularmente essas informações ao fisco. "O que não se pode fazer é usar alternadamente as funções ECF e PED. Isso não é permitido. E pode significar o uso de caixa dois", diz Antônio Carlos de Moura Campos, diretor-adjunto da Diretoria Executiva da Administração Tributária da Fazenda paulista.
Bares e restaurantes
"Soubemos desse sistema que possibilita sonegar ICMS quando fomos a uma feira do setor de alimentação para comprar o MisterChef e equipamentos", diz B.G., dono de bar que comprou o software e aparelhos de uma revenda autorizada por cerca de R$ 12,5 mil.
"Outra empresa me ofereceu software e equipamentos, sem a possibilidade de sonegar, por R$ 24 mil. Optamos pelo menor preço." B.G. afirma ter recebido treinamento da revenda para driblar o fisco.
"Revendedoras e instaladoras desse software disseram que era possível esconder uma parte da venda na função PED, e não na função ECF", diz G.W., dono de um restaurante.
Funcionários de três revendedoras do software -Automação 2000, A Nacional e Personal Info, que constam no site do MisterChef-, confirmaram à Folha a possibilidade de ocultar vendas com o software.
Um funcionário da Automação, questionado sobre o que pode acontecer se o dono do bar for flagrado por fiscais, respondeu: "Pode até pedir ajuda para a gente [com o fiscal] para auxiliarmos em alguma coisa [sem detalhar o tipo de ajuda]. Mas não podemos ser responsabilizados [pela sonegação]".
"O que é pago com cartão de crédito ou de débito não tem jeito", disse um funcionário da A Nacional ao explicar que o faturamento pode ser ocultado.
Outro lado
Revendedoras negam uso ilegal de programa
Os proprietários das três revendas do MisterChef que, segundo donos de bares e restaurantes, ofereceram o software com a possibilidade de sonegar ICMS, negam que as empresas vendam "facilidades fiscais".
Eduardo Duran, proprietário da Automação 2000, afirma que o programa não abre brecha. "O MisterChef é 100% fiscal e emite cupom fiscal de todo o faturamento do cliente." Duran diz que o software arquiva todas as informações de vendas. "Não é possível sonegar."
Ele diz que alguns de seus clientes já foram autuados pela Secretaria da Fazenda paulista por estarem operando de forma irregular e que a sua revenda não tem qualquer responsabilidade sobre essa prática.
O MisterChef, segundo os proprietários das revendas, é um software que, além de registrar vendas e emitir notas fiscais, possibilita efetuar os controles de estoque e financeiro por meio de relatórios e do Sintegra, um sistema em que são passadas para escritórios de contabilidade todas as vendas efetuadas pela empresa.
Érico Cordeiro, sócio-proprietário da A Nacional, diz que, se algum funcionário de sua empresa ofereceu facilidade a um comerciante para enganar o fisco, será demitido. "Quem foi enganado foi o dono do bar ou do restaurante."
João Soares, dono da Personal Info, afirma que todas as informações de vendas ficam registradas em uma base só de dados. "Quem está oferecendo facilidades ao dono do bar está mentindo", afirma. (CR e FF)
Empresa diz que descredenciará revenda irregular
A Bematech, fabricante do software MisterChef, informa que o programa não possibilita a sonegação fiscal e que, se alguma revendedora afirma isso, está enganando os clientes. Se constatar irregularidades na comercialização do produto, diz que descredenciará a revenda.
Ao tomar conhecimento das denúncias feitas por bares e restaurantes, a Bematech instaurou auditoria na quinta-feira para avaliar as práticas de revendedoras credenciadas.
"O MisterChef não possibilita a sonegação. O software permite o uso da função ECF [emissor de cupom fiscal] e da função PED [processamento eletrônico de dados], que são funções 100% fiscais. Isso quer dizer que as vendas [nas duas funções] ficam registradas no computador [CPU], caso o fisco queira fazer qualquer fiscalização", diz Vanderlin F. Souza, diretor comercial do MisterChef.
A empresa diz que já houve descredenciamento de algumas revendas por piratearem softwares ou instalarem versões antigas e inadequadas à legislação de alguns Estados "à revelia da Bematech".
"Em nosso modelo de negócio, como é o revendedor que prospecta, vende, instala e auxilia o cliente, os contratos contêm cláusulas de responsabilidade por práticas em desacordo com a legislação fiscal." (CR e FF)
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